quarta-feira, 15 de maio de 2013

Do que vou sentir falta de São Paulo


Daqui a alguns meses, depois de 33 anos morando em São Paulo, me despeço, temporariamente. O fato de, nesse tempo todo, eu nunca ter saído da cidade por mais que algumas semanas diz tanto sobre a minha preguiça para mudanças quanto a incrível quantidade de oportunidades, em todos os aspectos da vida, que encontrei aqui. É bastante fácil não gostar de São Paulo, sobretudo pela maldita trindade poluição / violência / trânsito; amar a cidade leva muito tempo, o suficiente para desenvolver certo senso de resignação e esquecer que existem lugares melhores no mundo (e, de qualquer maneira, o Tejo é belo, mas não é o rio que passa por aqui). Abaixo uma lista meio preguiçosa das coisas das quais acho que vou sentir saudades no próximo par de anos:
 
- Pastel de feira, clichê entre os clichês, mas minha comida de rua preferida do mundo todo. Mais ainda por, geralmente, carregar um gostinho de subversão, por estar se entupindo de massa frita, carne moída e queijo derretido antes de colocar qualquer outra coisa no estômago no dia (aliás, pastel existe em três sabores: carne, queijo e palmito. As demais variações são perversões desnecessárias do conceito). Feira livre também é uma delícia, mas esta tem equivalentes fora daqui (infelizmente não necessariamente com vendedores tão bem humorados).
 
- Poder beber na rua, sem necessidade de esconder a lata ou garrafa em um ridículo saquinho de papel. Poder comprar bebida a qualquer hora, em qualquer lugar, privilégio que muitos habitantes de paraísos da liberdade no mundo não têm. 

- Os shows do SESC. O modelo do SESC tem muito do que detesto no Brasil, sustentado por contribuições compulsórias e regressivo por natureza. Nesse caso, porém, vou ser egoísta e julgar pelos resultados, não pelo princípio. Como acho que ouvir música ao vivo é das atividades mais sublimes a que podemos nos dedicar, devo muitos dos pontos altos da minha vida ao SESC. Lá vi Banda Mantiqueira, Paulo Vanzolini, Paulinho da Viola, Ornette Coleman, Christian Scott, Chris Potter, Andre Mehmari & Hamilton de Holanda, Hermeto Pascoal, Yusef Lateef, Rosa Passos, etc, etc, etc; tudo barato, organizado, com ótima infraestrutura e em horários decentes. Civilização deve ser algo desse tipo.

- Os botecos, lugares mágicos onde o tempo se comprime e horas vão passando entre conversas sérias e reflexivas, discussões que nunca levam a lugar nenhum, bobagens irrepetíveis em outros ambientes, chopes, petiscos e talagadas irresponsáveis de steinhäger ou cachaça. Poucas coisas me deixam mais feliz do que reservar uma tarde e uma noite (e, possivelmente, a manhã seguinte, para lidar com a ressaca) para se dedicar a isso. Rei das Batidas, Zé Gordo, Pirajá, São Cristóvão, Empanadas, Frangó, Veloso, Zur Alten Mühle, Léo e aquele bar anônimo de esquina, que não fecha nunca e sempre tem cerveja gelada e uns petiscos meio suspeitos numa vitrine aquecida, um top 10 de coração.

- Andar na avenida Paulista, que pra mim segue sendo uma atração turística de primeira, dos melhores lugares que conheço para simplesmente ver gente (claro que também ajuda o monte de cinemas, livrarias, bares e restaurantes ao redor).

- Poder dirigir duas horas e meia (OK, com alguma sorte) e chegar às praias que são acompanhadas pela Rio-Santos. O litoral de São Sebastião a Ubatuba é magnífico, não deve nada a outros mais falados (mas não menos visitados). Concedo que também é ótimo poder pegar um voo de três quartos de hora e pousar no Rio de Janeiro, mas as saudades do Rio eu deixo para outro texto.

- Por fim, acima de tudo isso, das paulistanas e paulistanos, porque não se sai de um relacionamento tão intenso de três décadas sem criar raízes. Imagine fazer todas essas coisas supostamente legais listadas aí em cima sem companhia - pior ainda quando olho para trás e vejo que tive a sorte de encontrar aqui gente tão generosa e interessante, disposta a compartilhar de sua alegria de viver. Este humilde texto é, no fundo, uma homenagem a todos vocês.


Luciano Sobral - Trabalha como economista para financiar a humilde missão de conhecer o mundo

Um comentário:

  1. adorei o texto, boa sorte em suas novas paragens! mudar é sempre bom, maa saber q tem raizes em algum lugar é tb mto reconfortante!

    ResponderExcluir